barrigas e comparações
– sou uma menina de mentalidade mediana
(pois é), mas assim mesmo sou feliz da vida
pois eu não devo nada a ninguém
jorge ben jor ✷
no dia primeiro de janeiro, mais conhecido como o primeiro dia do ano de 2024, recebemos três casais de amigos no quintal de casa para comer vinagrete de lula, tomar cerveja, vinho rosé e trocar afetos. enquanto os homens davam conta da cozinha, eu, alê e carol conversávamos embaixo do ombrolone sobre, entre outras coisas, como tem sido a dinâmica cada vez mais difícil – no aspecto amplo da palavra – de estar na internet e acompanhar a vida das pessoas em níveis nunca antes comparáveis, ao mesmo tempo que exibimos a nossa em um recorte ou outro.
na mesma semana, uns dias atrás, eu tava na academia por pura obrigação adulta, subindo a escada rolante infinita, pensando comigo mesma que 9 de velocidade ainda não tava bom – a pessoa do meu lado já tava no 11 – e ouvindo a helen conversar com a carol tchulim no radiohel¹. carol contava sobre sua graduação em psicologia e adicionava coisas sobre o que ele tava chamando ali de comportamentos ancestrais, ou algo que valha esse significado. ela dizia que na época em que éramos todas mulheres pré-históricas a coisa da comparação já existia – como um comportamento de indivíduos que vivem em grupo –, mas que, guardadas as devidas proporções, a gente se comparava com, sei lá, no máximo algumas dezenas de pessoas e não mais de 2.755 – que é o número de pessoas que eu sigo no instagram.
corta para o dia primeiro, no quintal da minha casa, embaixo do ombrelone: estávamos lá, três mulheres de idades diferentes – ale nos 40, eu nos 30, carol nos 20 – e todas as três completamente descaralhadas da cabeça e perdidas em comparações que, pasmem, em 2024 ainda circulam pelo mesmo lugar: nossos corpos.
vou aqui preservar cada uma das vulnerabilidades das minhas amigas e dizer que, no geral, estamos todas nos comparando com os corpos que vemos na internet. e aqui acho que me cabe definir de quem são esses corpos. veja, a gente já passou pela fase de comparar nossos corpos com os corpos das globais, mesmo. também já passamos pela fase de nos compararmos com as blogueiras fitness. também já entendemos que a boca rosa tem faxineiros, jardineiros, babás, personal trainers, cirurgiões plásticos, acesso à laseres, fotona, ultra former, botox, enzimas e toda a sorte de uma equipe de funcionários e procedimentos que faz com que ela seja maravilhosa . a gente já passou dessas fases todas, de verdade, mas parece que tem uma que veio tímida se formando e quando a gente percebeu: tadá! ela está aqui.
aquilo tudo – a onda de exercício físico, chapadinhas, endorfinadas, etc – que aconteceu do auge da pandemia pra cá, como um movimento genuíno de mulheres que estavam em busca de, apenas, não enlouquecerem em um mundo com um vírus mortal circulando. aquilo tudo, de ver as amigas postando seus relógios digitais nos stories, os grupos do whatsapp, as queridas dizendo que foram à academia, incentivando umas às outras para levantarem da cama, colocarem um top e correrem na esteira. aquilo tudo virou o que a gente mais combatia. eu não sei direito quando foi, mas do nada os stories viraram um monte de foto no espelho, com barrigas lisas e engomadas, ombros protuberantes, bíceps estufados, trapézios, quadríceps, isquiotibiais e, nessa altura do campeonato, o estrago estava feito: comparação. aquele comportamento ancestral, de viver em grupo e, bom, se comparar com o grupo em que vive.
mas eu não vivo com esse grupo. por que eu tô vendo isso e me sentindo mal, então? – finja que eu não sei a resposta para essa pergunta e ache que o problema está em quem posta as fotos.
no início de dezembro, a mirian bottam gravou um vídeo² para o instagram alertando: será que a gente não tá se comparando e se inspirando no transtorno alimentar de alguém? ela trazia sua própria história ali: a época em que ela mais fazia exercício físico, melhor se alimentava, quando tinha alcançado o corpo mais incrível que já quis ter, quando postava mais e mais suas conquistas no instagram, era quando ela tava no auge dos transtornos alimentares que já teve e tem. como a gente se perdeu nessa coisa da inspiração e virou comparação?
veja, eu venho diretamente do mundo real e conto pra vocês: eu faço academia há 2 anos. e não, eu não tenho a barriga minimamente lisa. eu tenho dobrinhas que aparecem enquanto eu tô sentada e também em pé. eu sou o que as pessoas do mundo fitness chamam de "falsa magra": a pessoa dos braços finos, bunda grande, gordura localizada na pochete, nos flancos. veja, preste atenção na classificação que me deram: "falsa magra", isso quer dizer que mesmo sendo magra, que é considerado o padrão, ainda não é magro o suficiente – então, é falso. mas o que aparece na minha timeline do instagram é real. não?
sinceramente, eu tô bastante distante de ser uma pessoa que está disposta a restringir prazeres em um mundo em que, de verdade, inventou que tem alguma coisa errada aqui, porque não tem absolutamente nada errado com o meu corpo ou com o seu – meus exames estão ótimos e meu corpo me proporciona experiências humanas incríveis, aliás o carnaval já já tá aí. eu tô bastante distante de uma pessoa que tem algum talento para ter uma rotina digna de uma atleta de performance ou de um soldado do exército – deus me livre, inclusive. eu só quero ter uma cabeça boa, tocar minha rotina com o que me faz uma pessoa disposta a viver o máximo e melhor possível, gostando do que vejo no espelho, comendo bem, fazendo as coisas que posso fazer para estar bem. no fim, sendo como eu sempre fui: mediana, medíocre.
não a mais bonita. não a mais inteligente. muito menos a mais simpática, mas feliz, talvez?
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os conteúdos que me inspiraram:
¹ helen ramos recebe carol tchulim no radiohel:
² mirian bottan e sua reflexão sobre inspiração/comparação e disturbios alimentares:
que texto! 👏 e cá estou eu fazendo o quê? me comparando com você ao pensar que jamais escreverei tão bem assim.
em vez de me comparar, vou me inspirar. você me inspira, migles 💛.