aquele samba sobre amizades
eu quero falar sobre como as amizades no trabalho salvam a gente da loucura completa e abissal, fruto de um dia a dia extenuante, com altas doses de competitividade e métricas de produtividade e evolução.
eu já topei, e suponho que você também, – porque essa é uma máxima repetida à exaustão no ambiente corporativo – com gente que diz "não estou aqui para fazer amigos". já ouvi isso uma penca de vezes, ditas de formas mais ou menos eufemistas. eu acho é muito triste, uma pena, um grande desperdício do seu tempo no trabalho.
quando eu trabalhava presencialmente, eu ia para o escritório basicamente preocupada com duas coisas: quando a gente vai almoçar e quem vai ser meu amigo. é claro que eu também me preocupo com as metas, os cronogramas e as atividades – eu sou uma profissional responsável e comprometida, tá? o meu linkedin está aqui para provar (risos, a rede onde todo mundo é responsável e comprometido), mas esse papo de #lovemyjob nunca pegou muito na minha cabecinha doutrinada no cursinho popular do ABC paulista.


a bem da verdade é que agora que eu trabalho muito mais remota do que presencialmente minha maior preocupação no dia a dia é, bem, fazer amizades, conhecer pessoas, criar relações. eu gosto de ter amigos no trabalho e sei que é difícil mantê-los, sei que em algumas posições isso pode ser mais ou menos delicado – tipo quando você é amiga da sua chefe –, mas o meu ponto fraco sempre é a relação com pessoas – eu amo e odeio as pessoas.
em 1993, o gallup fez um estudo que apontou 12 elementos que tornam o dia a dia de trabalho saudável e as pessoas felizinhas. uma das coisas que saiu nesse estudo era poder dizer "tenho um melhor amigo no meu trabalho". segundo essa mesma pesquisa, ter amigos no trabalho significa ter 7 vezes mais satisfação no emprego e produzir menos cortisol – o hormônio do estresse, que desgraça nossa saúde e beleza.
bom, sei lá, até eu que sou de humanas consigo olhar para esses dados e entender que a amizade é boa para as empresas, porque gente feliz trabalha melhor.
outro dia eu falava com a minha analista sobre as fofocas-do-ambiente-de-trabalho™️ e ela me trouxe uma perspectiva interessante: a fofoca é uma ferramenta de sobrevivência que o trabalhador encontrou nessa rotina desgastante e odiosa do neoliberalismo. é no kikiki do corredor, do slack ou do whatsapp que a gente troca afeto, constrói laços de confiança e, bom, faz amizades, que vão ajudar a gente a se organizar – em pensamentos, força de trabalho, reivindicações individuais e coletivas.


eu acho que fazer amizades no trabalho é uma resposta altamente agressiva e afetiva a um sistema que quer que a gente só digite coisas em planilhas, arquivos e figmas. é como um respiro de resistência e de fé em relações humanas, contra toda essa tensão e sofrimento com doses altas de comparação, competitividade e inadequação.
já aconteceu comigo
pegue como exemplo o que me aconteceu em 2010, no meu primeiro trabalho com registro em carteira. eu tava concorrendo a uma vaga de estagiária na redação de jornalismo da universidade em que eu estudava. eu sabia que eram poucas as vagas para o número de pessoas que se inscrevia e sabia mais ou menos como era o processo: a gente tinha que fazer uma prova de conhecimentos em jornalismo, além de uma bateria de entrevistas com os editores na redação.
na época, havia uma história que circulava entre os alunos mais velhos: que a manchete dos principais jornais do país é que dava a pauta e a tônica dos assuntos das entrevistas para o emprego. por exemplo: os editores perguntavam um pouco sobre seus hábitos de leitura da imprensa e era bom que você conseguisse manter uma conversa crítica com eles sobre os assuntos das principais manchetes da Folha, Estadão e Valor Econômico daquele dia.
tirando o fato de que eu sempre odiei ler matéria de jornal hard news – sim, eu fui estudar jornalismo porque eu gostava de escrever, não de ler jornal, risos – tava tudo bem, porque eu tinha passado na banca e comprado a Folha e O Estado.
eu cheguei para a entrevista e, enquanto eu tava na sala de espera, uma menina sentou do meu lado, também aguardando por sua vez de ser entrevistada. acho que eu era tão inexperiente que não me passou pela cabeça que ela era minha concorrente à vaga. então, eu puxei papo. ela parecia nervosa, e confessou que era porque não tinha lido as matérias do dia. então, eu corri pra falar que ela não se preocupasse, porque eu tinha os jornais: "pode ficar com eles e ler". entreguei os cadernos pra ela.
daí me chamaram, eu fiz a entrevista, falamos sobre a Folha, terminamos o papo, saí da sala de espera e, pois é, a menina tava lá, lendo o jornal. foi aí que eu me toquei que ela era minha concorrente, mas não me arrependi do que fiz, dei tchau e segui.
quando o resultado do processo saiu, eu vi que tinha passado junto com mais duas outras meninas. e no meu primeiro dia de trabalho, descobri que era o primeiro dia de trabalho da garota da sala de espera também. nós duas passamos – spoiler, a menina é a Letícia.
14 anos passaram e eu continuo acreditando nisso. acredito fielmente nessa utopia que a história que me pariu ensinou: eu acredito que quem eu chamaria de companheiro na assembleia é meu amigo. mais que colega. é amigo! mais que de trabalho. é da vida! a gente estaria junto nas greves. afinal, a gente está junto falando mal das coisas erradas e comemorando as pequenas e grandes conquistas, diminuindo o cortisol e fazendo essas 9, 10 horas de computador por dia terem mais significado do que OKRs batidas.
outras memórias



este texto é, principalmente, dedicado ao meu amigo Raons, com quem compartilho uma relação bonita. a partir de agora, fico mais só no trabalho, mas sempre bem acompanhada dele na vida. também dedico aos meus amigos do peito, que foram feitos no dia a dia dos trabalhos variados que tive até aqui. saibam: vocês me ajudaram a tecer um tecido bonito, que eu uso para enxugar suor e lágrimas, às vezes para me esconder, mas, sobretudo, para esquentar os dias.
Letícia Cardoso, do estágio no Rudge Ramos Jornal. Érison Martins, da redação do Bom Dia ABCD. Davi Valença, da InPress. Thamise di Falco, do meu primeiro trabalho em Design. Paola Herrero, de quando trabalhei no iFood. Cadu Ferreira, do QuintoAndar. Danilo Sanches, Larissa Azevedo, Raony Lima, Renata Bassi, Rodolfo Santos e Thais Ernandes, da Loggi. 💛
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um clássico é um clássico
a melhor música sobre amizade na história da música brasileira.
🥲🫶🏼